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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

@ Inadequações

Jornal Folha de São Paulo, sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Escolas não se adaptam a aluno de 6 anos

No primeiro ano do ensino fundamental, colégios estaduais e municipais não têm estrutura ou projeto pedagógico adequado

Proposta era mesclar o início da alfabetização com atividades lúdicas, mas professores não foram preparados para isso

Sentada em uma carteira de adulto, Isabela, 6, não consegue colocar o pé no chão. Suas sandalinhas balançam dois palmos acima do solo. Também com os pés no ar, colegas de sala dela sentam com a mochila nas costas, para ficarem próximas à mesa. Outras estão em pé, para alcançar lápis e papel.

"Elas são pequenas para ficar cinco horas aqui. Estão sempre inquietas, incomodadas. Depois do lanche, coçam o olho de sono. Umas dormem apoiadas na mesa", observa Maria, professora da turma.

A cena, passada em uma escola municipal em Cidade Dutra (zona sul), exemplifica a má notícia da volta às aulas na rede pública de São Paulo, segundo docentes: não houve preparação para receber crianças de seis anos nas escolas de ensino fundamental, norma implementada neste ano na cidade.

Até o ano passado, o antigo primário recebia alunos a partir dos sete. Lei federal determinou a antecipação da entrada para que os estudantes pobrestivessem mais um ano de escolarização (crianças na faixa do fundamental devem, obrigatoriamente, estar na escola).

A ideia era que houvesse adaptação para receber as crianças mais novas, com carteiras adequadas, espaços como brinquedotecas e a criação de projeto pedagógico que mesclasse o início da alfabetização com atividades lúdicas.

Nada disso ocorreu na rede pública de São Paulo, segundo professores e diretores ouvidos pela Folha, presidentes das entidades que representam diretores dos colégios, educadores e um membro do Conselho Nacional de Educação. A lei, de 2006, havia dado cinco anos para implementação. Tanto o governo José Serra (PSDB) quanto a gestão do prefeito Gilberto Kassab(DEM) dizem que a adaptação do novo fundamental já começou, mas admitem que não foi finalizada.

"As crianças reclamam que não têm parquinho, que têm de ficar cinco horas na sala de aula. As carteiras que atendem aos alunos da EJA [antigo supletivo] são as mesmas das dos de seis anos", diz João Alberto Rodrigues de Souza, do Sinesp (sindicato dos dirigentes da rede municipal)."Não houve capacitação dos professores. É para alfabetizar? É para focar na parte lúdica? Ninguém sabe", diz o presidente da Udemo (sindicato dos dirigentesda rede estadual), Luiz Gonzaga de Oliveira Pinto.

Professor de escola estadual na zona sul, Batista conta que precisa levantar as crianças no colo para elas alcançarem os bebedouros. Elas também têm dificuldades para usar o banheiro.

"Verificamos a falta de adaptação em São Paulo e em boa parte do país", diz o presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, Cesar Callegari. "Muitas redes apenas transferiram a antiga primeira série [alunos desete anos] para o primeiro ano".

A gestão Kassab diz que a adequação do mobiliário iniciou em 2007, não foi concluída, mas todas escolas serão atendidas. Já o governo estadual afirma que"à medida das diferentes demandas da diretorias de ensino serão encaminhados equipamentos para as escolas".

# ANÁLISE

É preciso respeitar o desenvolvimento próprio da criança

EMILIA CIPRIANO / CLAUDIO CASTRO SANCHES

A educação escolar no Brasil não tem considerado os tempos do desenvolvimento humano como fator fundamental para a construção de um projeto educativo dequalidade. Assistimos a uma visão fragmentada da educação, cristalizada em espaços e tempos, como se fossem processos diferentes, organizados pelo currículo/conteúdo, em detrimento do contexto de vida e do tempo do aprender.

A inclusão das crianças de seis anos no ensino fundamental tem como objetivo, segundo o MEC, melhorar as condições da equidade e de qualidade da educação básica, estruturar um novo ensino fundamental para que as crianças prossigam nos estudos alcançando maior nível de escolaridade. A implantação do ensino de nove anos implica a elaboração de uma proposta pedagógica que crie um espaço de interlocução entre a educação infantil e o ensino fundamental.

Na prática, esse diálogo não vem acontecendo. As crianças de seis anos adormeceram participando de um contexto pedagógico e amanheceram numa primeira série, sem que fossem tomadas as medidas necessárias para a construção de uma escola que respeite o direito da infância e os tempos próprios de seu desenvolvimento. A entrada das crianças aos seis anos na educação fundamental não pode representar negação e ruptura do contexto socioafetivo e de aprendizagem. É preciso assegurar a construção da cultura infantil.

Não se pode antecipar a escolaridade, transferindo para as crianças de seis anos os conteúdos e as atividades da antiga primeira série. Antes deveria ser um momento privilegiado para responder: o que se aprende na escola atual transforma a vida? Ela é espaço de interlocução dialógica, troca de experiências, histórias de vida, marca da educação infantil, ou mero espaço de aprendizagem individual, descontextualizado e desvinculado da vida?

EMILIA CIPRIANO, doutora em educação (PUC/ SP), e CLAUDIO CASTRO SANCHES, mestre em educação (PUC/SP), são consultores da Aprender a Ser Consultoria e Assessoria Educacional

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