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sábado, 26 de março de 2011

@ José Pacheco

A aprendizagem do caos

Sobre ética e ontologia

Por José Pacheco

Li num jornal uma referência a um estudo realizado pela Unesco no Brasil, cujas conclusões sintetizo: os professores consideram que o fracasso na escola é responsabilidade dos alunos, da sua "falta de vontade"; os alunos dizem que encontram mais ajuda em casa do que na escola, quando defrontam um problema; 76,7% dos professores afirmam que os alunos não fazem as lições por preguiça; para os estudantes, o bom aluno é o que obedece à professora, copia as tarefas e tem disciplina.

Na televisão, escutei uma professora: "Tirei uma licenciatura, mas não encontrei emprego. Nem podia dar aulas. Voltei à faculdade, para poder ser professora. Encarei esta necessidade com conformismo...". E numa sala de professores: "Eu queria era ser advogado. Mas só consegui arranjar emprego como professor.".

Quando lamentamos a desvalorização do estatuto social da profissão, teremos discernimento para entender por que projetamos uma imagem social tão negativa? Quando pensamos na indignidade do salário do professor e na degradação da escola pública, estaremos a pensar em causas, ou em consequências?

Dizia um amigo que pensar educação é pensar em problemáticas éticas e ontológicas. Antes de mais, o professor tem de desenvolver, em si, a capacidade de se libertar dos trilhos que, ao longo da sua caminhada, enformaram e construíram as suas representações de escola e de educação. Pensar a escola é reorientar o homem no mundo. É reconfigurar o espaço e o tempo de aprender e ensinar, reelaborando a cultura pessoal e profissional: "Tenho 18 anos de serviço e continuo a tentar ser professora. Infelizmente, cercam-nos muitos dadores de aulas que nos barram o caminho ou o tornam difícil. Para cúmulo, aqueles a quem servimos não nos respeitam e os nossos governantes não nos defendem. Mas fica sabendo que, mesmo assim, cá vamos resistindo e reinventando a nossa realidade".

Acompanho esses caminhos feitos de resiliência. Quero lá saber dos restantes! Quando essa professora me avisou de que os professores não desistentes da sua escola eram somente quatro num total de noventa e cinco, respondi-lhe que os quatro resilientes eram maioria.

Maioria como? - replicou. E expliquei: sois maioria porque os outros não existem. Acompanho, ajudo e aprendo com os que querem melhorar-se, melhorando as escolas. Os outros, como costumo dizer, morreram aos 20 e somente serão enterrados aos 60.

Concordo com Beda: "há três caminhos para a infelicidade: não ensinar o que se sabe, não praticar o que se ensina, não perguntar o que se ignora". Quando quis experimentar a vida de professor universitário, quis saber o que os meus alunos (futuros professores) esperavam do curso. A resposta foi unânime: Queremos saber dar aulas e manter a disciplina. Ao que retorqui: Então, meus amigos, mudai já de curso e de profissão, que ainda estais a tempo de serdes pessoas felizes. Perguntas que traduzissem senso crítico, nem uma escutei. Já não faziam perguntas, porque estavam a escassos meses de exercer a profissão de professor.

A retórica dos políticos nos diz que o futuro do Brasil está na educação. Mas que educação? Onde mora? Em escolas que vejo desfazerem-se, vandalizadas? Em escolas habitadas por professores desmotivados e gestores desmoralizados? Em escolas de paredes úmidas, onde a mesmice pedagógica e o tédio imperam?

Lévi-Strauss entendia que sábio não é o que fornece as verdadeiras respostas; é o que formula as verdadeiras perguntas. Embora os professores com quem venho aprendendo me digam que é perigoso perguntar, eu os desafio a pensar e a agir.

(*) Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)

josepacheco@editorasegmento.com.br

artigo publicado na edição 167 da Revista Educação.

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